June 18, 2018

As pesquisas em Ortodontia beneficiam os pacientes?

As pesquisas em Ortodontia beneficiam os pacientes?

É reconhecido que os estudos controlados randomizados são o melhor caminho para se testar tratamentos. Mas eles influenciam no tratamento dos pacientes?

Já mencionei diversas vezes neste blog que a forma mais rigorosa de se avaliar o tratamento ortodôntico é através da pesquisa clínica. Também é desapontador o fato das pesquisas nem sempre ajudarem a clínica e os nossos pacientes. Assim, eu fiquei muito interessado ao me deparar com este artigo. Ele foi escrito por um grupo do Centro de Medicina Baseado em Evidência de Oxford. Os acadêmicos são muito espertos em Oxford e decidi interpretar os pontos deles nos termos da pesquisa ortodôntica.

Why clinical trial outcomes fail to translate into benefits for patients

Carl Henegan et al

Trials2017 18:122

https://doi.org/10.1186/s13063-017-1870-2

A revista Trials publicou este artigo. Ela possui acesso aberto, de modo que todos podem lê-la.

Na introdução, eles ressaltaram que os principais problemas com os resultados que os pesquisadores usam na pesquisa clínica podem ser agrupados nas principais categorias: (i) desenho do estudo, (ii) Métodos, (iii) Publicação e (iv) Interpretação. Consequentemente, se uma pesquisa tem tais problemas, é improvável que traga benefício ao paciente.

Eu decidi interpretar os principais pontos deles com exemplos relevantes da Ortodontia, até onde eu puder!

Resultados secundários

Os pesquisadores utilizam os resultados secundários numa tentativa de prever outro mais complexo ou o resultado final. Eles fazem isso porque tais resultados ficam disponíveis antes dos resultados finais ou dos últimos resultados. Isso significa que podem publicar os achados deles mais cedo do que se tivessem que esperar até a conclusão de todo o tratamento.

Um exemplo ortodôntico é medir os efeitos dos aparelhos funcionais ao final da fase funcional. Mesmo que isso seja interessante, isso pode não ter relação com o resultado final do tratamento. A coleta de dados mais importante é ao final de todo o tratamento, pois isso é o que importa para o paciente.

Resultados subjetivos

Isso é quando um observador utiliza o seu julgamento para avaliar um resultado. Um exemplo é a avaliação da atratividade facial por um pequeno grupo de avaliadores. Isso é particularmente importante se o grupo é composto por ortodontistas. Se os examinadores não estão cegados para a alocação do tratamento, este efeito é mais marcante. Eu destaquei esse problema potencial em uma pesquisa sobre o tratamento precoce da Classe III.

Falta de relevância para os pacientes

Esse problema está relacionado ao tamanho do efeito e à confusão com a significância estatística. Nós somos ótimos nisso na pesquisa ortodôntica. Por exemplo, todos estamos familiarizados com artigos que relatam pequenas quantidades de mudanças cefalométricas nos quais os autores ficam animados porque são “altamente significantes estatisticamente”, mesmo que o tamanho do efeito não tenha relevância clínica. Precisamos estar muito atentos a este problema.

Dados perdidos

Todos os estudos têm dados perdidos. Isso resulta na perda de poder estatístico e em conclusões potencialmente falsas. No artigo deles, os autores me lembraram da “regra 5 e 20”. Este guia simples afirma:

“se mais que 20% dos dados estão perdidos, então o estudo possui viés. Se menos que 5% estão perdidos, existe baixo risco de viés”.

Podemos aplicar isso quando estamos lendo artigos. Um bom exemplo desse problema é a baixa taxa de resposta a um levantamento que mede o resultado de uma pesquisa.

Viés de publicação

Isto acontece quando uma pesquisa não é publicada porque os autores ou patrocinadores não gostam das conclusões. Essa é uma das principais razões porque todas as pesquisas devem ser registradas em um registro de estudos clínicos antes de começar. Se você for para o Clinical triasls.gov e colocar estudos ortodônticos que estão concluídos ou apenas seguir esse link (https://clinicaltrials.gov/ct2/results?cond=Orthodontics), verá que existem 55 estudos concluídos e, potencialmente, aguardando publicação. Não é possível calcular quantos deles não estão publicados, mas você pode ver que alguns foram concluídos há algum tempo e podem não ter sido publicados.

Pobre relato de eventos adversos

Este é simples. Todos os estudos devem reportar os benefícios e os prejuízos do tratamento. Existem muitos estudos ortodônticos que apenas relatam os benefícios do tratamento, mas não avaliam os prejuízos, que são importantes para os pacientes e devem sempre ser documentados e relatados. Eu me sinto culpado disso em quais foram os meus melhores artigos. Nós simplesmente não pensamos em documentar os prejuízos e isso foi um erro.

Embelezamento

Isso é quando os autores apresentam os seus dados de forma mais positiva do que os resultados verdadeiros. O melhor exemplo recente em Ortodontia vem dos artigos que afirmam que existe um certo percentual de aumento na taxa de movimentação dentária com MOPs ou vibração. Por exemplo, num estudo sobre MOPSos autores relataram um aumento de 62% na taxa de movimentação dentária, mas isso foi apenas 0,5mm por mês, que é uma diferença que não é clinicamente significante.

Multiplicidade

Isso é quando o estudo relata resultados múltiplos que são frequentemente relatados. Precisamos nos lembrar que quanto maior a quantidade de resultados, maior a chance de encontrarmos um resultado falso positivo.

Mais uma vez, somos ótimos nisso. O melhor exemplo é o festival cefalométrico com testes estatísticos múltiplos utilizando entre 20 e 30 medidas sem interesse. Se você abrir uma revista, encontrará um desses. Quando fazemos testes múltiplos simples, encontramos ao menos uma diferença significativa e então podemos escrever animadamente sobre ela. O fato de ela ter ocorrido ao acaso não parece passar pela cabeça dos autores.

Qual é a solução?

Os estudos clínicos controlados percorreram um longo caminho nos últimos 20 anos. Atualmente, os pesquisadores estão realmente fazendo bons estudos. Mas assim como a maioria das coisas na vida, precisamos melhorar. Podemos fazer isso ao:

  • Registrar e publicar todos os estudos clínicos controlados;
  • Utilizar resultados que são relevantes para os pacientes;
  • Identificar uma ou duas medidas cefalométricas que tenham um significado clínico, se precisarmos usá-las;
  • Não embelezar os achados;
  • Relatar os resultados que são relevantes aos pacientes, incluindo os benefícios e os prejuízos.

Se simplesmente fizermos isso, tornaremos as pesquisas mais fáceis de se ler e entender, fazendo uma grande diferença tanto para os ortodontistas quanto para os nossos pacientes.

Traduzido por Klaus Barretto Lopes

Instrutor de Ortodontia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

 

 

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